sábado, 30 de abril de 2011

Satíricon - Petrônio

O Satíricon (Satyricon) é um livro ímpar. O primeiro aspecto que deve ser observado pelo leitor é que ele foi escrito há aproximadamente 2000 anos. O segundo é que, por isso, sobraram apenas fragmentos do romance original.  E o terceiro e mais interessante é que, também por isso, o cristianismo ainda não era uma religião dominante na época.
No livro, Petrônio comicamente satiriza os costumes romanos da época, contando a história de dois amigos e um escravo que se envolvem em diversas confusões. O domínio da narrativa pelo autor é invejável e ele consegue criar situações absurdas e ridículas que, de forma natural, se transformam em tragédias sem perder o humor absolutamente negro. É muito interessante notar a completa amoralidade dos personagens, uma vez que o cristianismo ainda não tinha "purificado" a todos... não existe pudor nem vergonha da sexualidade. Não existem pecados capitais para podar as vontades dos personagens.
Muita gente entende a sátira de Petrônio como uma crítica à sociedade romana. Eu não sei se concordo completamente. Muitas vezes me parece apenas uma descrição despretensiosa e simplesmente cômica. Acredito que quem considera o Satíricon uma crítica não percebe que o autor fazia parte da sociedade retratada e compartilhava seus costumes, não que isso impeça que ele discorde e critique. Porém, Petrônio era conhecido como Arbiter Elegatiae, ou seja, o Árbitro das Elegâncias, na corte de Nero. Daí podemos concluir que ele não poderia ser totalmente contra os costumes da sua sociedade. No romance Quo Vadis, do polaco Henryk Sienkiewicz, ele é um dos personagens principais e, inclusive, é retratado como um cara completamente hedonista e que era contra os costumes cristãos que estavam começando a se consolidar na época. No entanto, podemos dizer que ele critica, sim, a ostensividade excessiva, a frivolidade, a hipocrisia, a falta de caráter, até a elegância forçada, porém, nunca a falta de moral (nos moldes que nós conhecemos hoje em dia), nem a falta de pudor, e nem, muito menos, o incrível hedonismo daquela sociedade.
Eu acho importante pontuar essa questão porque vemos em críticas brasileiras, principalmente, expressões como "sociedade decadente", "imoralidade" etc. e tal. Isso é uma opinião que a nossa cultura, cristã e moralista, incutiu em nossas cabeças. Esse cara comum aqui compactua do pensamento livre, e acredita que cada povo e época tem sua cultura e temos que respeitá-la. Por isso, falo em amoralidade não imoralidade, pois, na realidade, na época de Nero, os romanos não tinham esse conceito de moral que nossa sociedade hipócrita tem hoje em dia.
O Satíricon é uma viagem em uma máquina do tempo para uma época cujos costumes seriam considerados absurdos atualmente, e, no entanto, são tratados com extrema naturalidade pelo autor. Só precisamos entender que isso acontece porque esses costumes eram naturais, e ponto final. Entendido isso, o livro proporciona um entretenimento de primeira categoria, além de acrescentar muito ao leitor, não por ser um romance histórico, o que, teoricamente ele não é, mas, sim, por ser História em si. Ler o Satíricon é quase como ler hieróglifos em uma tumba egípcia, é um retrato do cotidiano da época.

Segue uma citação do livro, em Latim pra ficar mais bonito:

"Nihil est hominum inepta persuasione falsius nec ficta severitate ineptius"

Nada é mais falso do que as tolas convicções dos homens, nem mais ridículo do que a austeridade fingida.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Divulgando Livros Baratos

A quem interessar possa, promoção de dia das mães no submarino:
A "trilogia de 5 livros" do Guia do Mochileiro das Galáxias por 9,90 cada.
O Hobbit por 14,90 e O Silmarillion por 9,90.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O Guia do Mochileiro das Galáxias - Douglas Adams

Don't panic. Mesmo que você ainda não tenha lido O Guia do Mochileiro das Galáxias, com certeza já entrou em contato com algo relacionado a ele e não sabe. O guia é um ícone pop contemporâneo etc. e tal, que influenciou toda uma geração de nerds.
O livro conta a história de Arthur Dent e seu amigo Ford Prefect, os quais se envolvem em uma série de confusões intergalácticas quando descobrem que a Terra está para ser destruída para a construção de uma via hiperespacial... (sim, isso mesmo), passando pelas situações mais absurdas e cômicas possíveis. Vale a pena lembrar que Douglas Adams escrevia esquetes para o Monty Python. Assim, podemos entender de onde veio tanto non sense. Porém, seu non sense é genial, cômico e extremamente científico! Além, claro, de transbordar sarcasmo e ironia. 
O Guia do Mochileiro das Galáxias faz o leitor rir constantemente, mas, alerta, se você não é nerd, não gosta de ciência e filosofia, provavelmente vai viajar sério e achar sem graça. OK. Vou explicar. O livro é cheio de referências à ciência e normalmente é enquadrado como ficção científica, porém, é uma FC propositalmente absurda e cômica. Por exemplo, os personagens viajam em uma nave espacial movida por um gerador de improbabilidade infinita. Na boa, estou rindo só de escrever isso... Então, se você não achou que o autor pensar em algo assim é ridiculamente cômico, não leia. Mas espere! Não é só isso! Douglas Adams não para por aí, ele ironiza a burocracia corporativa, as religões e os costumes britânicos. Estes últimos, através do comportamento de Arthur Dent, o qual mesmo depois de passar pelas situações mais absurdas só se preocupa com seu chá. O sarcasmo de Adams não poupa ninguém, nem a humanidade como um todo. Na verdade, principalmente a humanidade como um todo, a qual ele critica ferinamente. Segundo o Guia (que é um livro dentro do livro), a espécie terráquea mais inteligente são os golfinhos... tire suas próprias conclusões. Segue uma citação para deixar claro o estilo único de Douglas Adams e você decidir se gosta ou não:

O Gerador de Improbabilidade Infinita é uma nova e maravilhosa invenção que possibilita atravessar imensas distâncias interestelares num simples zerézimo de segundo, sem toda aquela complicação e chatice de ter que passar pelo hiperespaço.
Foi descoberto por um feliz acaso, e daí desenvolvido e posto em prática como método de propulsão pela equipe de pesquisa do governo galáctico em Damogran.
Em resumo, foi assim a sua descoberta:
O princípio de gerar pequenas quantidades de improbabilidade finita simplesmente ligando os circuitos lógicos de um Cérebro Subméson Bambleweeny 57 a uma impressora de vetor atômico suspensa num produtor de movimentos brownianos intensos (por exemplo, uma boa xícara de chá quente) já era, naturalmente, bem conhecido ― e tais geradores eram freqüentemente usados para quebrar o gelo em festas, fazendo com que todas as moléculas da calcinha da anfitriã se deslocassem 30 centímetros para a direita, de acordo com a Teoria da Indeterminação.
Muitos físicos respeitáveis afirmavam que não admitiam esse tipo de coisa ― em parte porque era uma avacalhação da ciência, mas principalmente porque eles não eram convidados para essas festas.
Outra coisa que não suportavam era não conseguir construir uma máquina capaz de gerar o campo de improbabilidade infinita necessário para propulsionar uma nave através das distâncias estarrecedoras existentes entre as estrelas mais longínquas, e terminaram anunciando, contrafeitos, que era praticamente impossível construir um gerador desses.
Então, um dia, um aluno encarregado de varrer o laboratório depois de uma festa particularmente ruim desenvolveu o seguinte raciocínio:
Se uma tal máquina é praticamente impossível, então logicamente se trata de uma improbabilidade finita. Assim, para criar um gerador desse tipo é só calcular exatamente o quanto ele é improvável, alimentar esta cifra no Gerador de Improbabilidades Finitas, dar-lhe uma xícara de chá pelando... e ligar!
Foi o que fez, e ficou surpreso ao descobrir que havia finalmente conseguido criar o ambicionado Gerador de Improbabilidade Infinita a partir do nada.
Ficou ainda mais surpreso quando, logo após receber o Prêmio da Extrema Engenhosidade concedido pelo Instituto Galáctico, foi linchado por uma multidão exaltada de físicos respeitáveis, que finalmente se deram conta de que a única coisa que eram realmente incapazes de suportar era um estudante metido a besta.
Pois é... Sacou? Outro aspecto interessante sobre O Guia do Mochileiro das Galáxias é que assim como acontece com "2001, Uma Odisseia no Espaço" o mundo pop está repleto de referências a ele. Exemplo, digite no google: a resposta para a vida o universo e tudo mais; e veja o que retorna. Conhece uma música da banda Radiohead chamada Paranoid Android? E a frase: não entre em pânico? Já chegou ao centro da galáxia no jogo Spore? De qualquer forma, como explicado anteriormente, a não ser que você seja um nerd contemporâneo, essas referências passaram despercebidas. Assim como provavelmente passou despercebido, naquele seriado da TV, quando toca Assim Falou Zarathustra e eles imitam macacos, que era uma referência a 2001...

terça-feira, 26 de abril de 2011

O Homem do Castelo Alto - Philip K. Dick

Philip K. Dick é um autor que surpreende, seus livros são completamente diferentes uns dos outros. Porém, existe algo que os une, que é a forma como ele trata a realidade. Uma dica para entender essa relação do autor com a realidade é perceber que em uma lista de livros distópicos (pois é... a distopia mais uma vez), boa parte dos romances de Philip K. Dick estará lá. O que eu entendo disso é que ele gostava de imaginar caminhos e possibilidades diferentes para a nossa vã existência.
Em O Homem do Castelo Alto, o autor continua brincando, criando realidades paralelas que se fundem e se confundem magistralmente de forma quase imperceptível pro leitor. A linha principal do livro mostra o mundo algum tempo depois de os alemães terem ganhado a Segunda Guerra Mundial. A costa leste do EUA é controlada pela Alemanha nazista e a oeste pelo Japão, enquanto a região central é uma área neutra. Nesse cenário, surge um livro que mostra como seria o mundo se os aliados tivessem vencido a guerra, o qual, obviamente, é proibido pelos nazistas. Como é praxe do cara comum, não soltarei spoilers, a ideia é estimular a leitura do livro... leia pra saber como o autor trabalha a fusão a realidade com a irrealidade, como ele ironiza a imaterialidade da História, sobre a qual só podemos especular e acreditar nos documentos que ficaram, e, principalmente, como ele desenvolve os personagens de forma espetacular. Falando neles, tenho que mencionar que são muito bem construídos, com histórias pessoais que vão se entrelaçando durante o desenvolvimento do romance, o que é receita garantida para entreter e envolver o leitor, que fica sem conseguir largar o livro a cada capítulo.
Enfim, O Homem do Castelo Alto é uma obra prima de Philip K. Dick, é um livro surpreendente que quando o leitor termina fica com cara de otário, literalmente, pensando no que aconteceu, refletindo, tentando entender até cair a ficha e sacar todas as dicas que o autor deixou.