sábado, 30 de abril de 2011

Satíricon - Petrônio

O Satíricon (Satyricon) é um livro ímpar. O primeiro aspecto que deve ser observado pelo leitor é que ele foi escrito há aproximadamente 2000 anos. O segundo é que, por isso, sobraram apenas fragmentos do romance original.  E o terceiro e mais interessante é que, também por isso, o cristianismo ainda não era uma religião dominante na época.
No livro, Petrônio comicamente satiriza os costumes romanos da época, contando a história de dois amigos e um escravo que se envolvem em diversas confusões. O domínio da narrativa pelo autor é invejável e ele consegue criar situações absurdas e ridículas que, de forma natural, se transformam em tragédias sem perder o humor absolutamente negro. É muito interessante notar a completa amoralidade dos personagens, uma vez que o cristianismo ainda não tinha "purificado" a todos... não existe pudor nem vergonha da sexualidade. Não existem pecados capitais para podar as vontades dos personagens.
Muita gente entende a sátira de Petrônio como uma crítica à sociedade romana. Eu não sei se concordo completamente. Muitas vezes me parece apenas uma descrição despretensiosa e simplesmente cômica. Acredito que quem considera o Satíricon uma crítica não percebe que o autor fazia parte da sociedade retratada e compartilhava seus costumes, não que isso impeça que ele discorde e critique. Porém, Petrônio era conhecido como Arbiter Elegatiae, ou seja, o Árbitro das Elegâncias, na corte de Nero. Daí podemos concluir que ele não poderia ser totalmente contra os costumes da sua sociedade. No romance Quo Vadis, do polaco Henryk Sienkiewicz, ele é um dos personagens principais e, inclusive, é retratado como um cara completamente hedonista e que era contra os costumes cristãos que estavam começando a se consolidar na época. No entanto, podemos dizer que ele critica, sim, a ostensividade excessiva, a frivolidade, a hipocrisia, a falta de caráter, até a elegância forçada, porém, nunca a falta de moral (nos moldes que nós conhecemos hoje em dia), nem a falta de pudor, e nem, muito menos, o incrível hedonismo daquela sociedade.
Eu acho importante pontuar essa questão porque vemos em críticas brasileiras, principalmente, expressões como "sociedade decadente", "imoralidade" etc. e tal. Isso é uma opinião que a nossa cultura, cristã e moralista, incutiu em nossas cabeças. Esse cara comum aqui compactua do pensamento livre, e acredita que cada povo e época tem sua cultura e temos que respeitá-la. Por isso, falo em amoralidade não imoralidade, pois, na realidade, na época de Nero, os romanos não tinham esse conceito de moral que nossa sociedade hipócrita tem hoje em dia.
O Satíricon é uma viagem em uma máquina do tempo para uma época cujos costumes seriam considerados absurdos atualmente, e, no entanto, são tratados com extrema naturalidade pelo autor. Só precisamos entender que isso acontece porque esses costumes eram naturais, e ponto final. Entendido isso, o livro proporciona um entretenimento de primeira categoria, além de acrescentar muito ao leitor, não por ser um romance histórico, o que, teoricamente ele não é, mas, sim, por ser História em si. Ler o Satíricon é quase como ler hieróglifos em uma tumba egípcia, é um retrato do cotidiano da época.

Segue uma citação do livro, em Latim pra ficar mais bonito:

"Nihil est hominum inepta persuasione falsius nec ficta severitate ineptius"

Nada é mais falso do que as tolas convicções dos homens, nem mais ridículo do que a austeridade fingida.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Divulgando Livros Baratos

A quem interessar possa, promoção de dia das mães no submarino:
A "trilogia de 5 livros" do Guia do Mochileiro das Galáxias por 9,90 cada.
O Hobbit por 14,90 e O Silmarillion por 9,90.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O Guia do Mochileiro das Galáxias - Douglas Adams

Don't panic. Mesmo que você ainda não tenha lido O Guia do Mochileiro das Galáxias, com certeza já entrou em contato com algo relacionado a ele e não sabe. O guia é um ícone pop contemporâneo etc. e tal, que influenciou toda uma geração de nerds.
O livro conta a história de Arthur Dent e seu amigo Ford Prefect, os quais se envolvem em uma série de confusões intergalácticas quando descobrem que a Terra está para ser destruída para a construção de uma via hiperespacial... (sim, isso mesmo), passando pelas situações mais absurdas e cômicas possíveis. Vale a pena lembrar que Douglas Adams escrevia esquetes para o Monty Python. Assim, podemos entender de onde veio tanto non sense. Porém, seu non sense é genial, cômico e extremamente científico! Além, claro, de transbordar sarcasmo e ironia. 
O Guia do Mochileiro das Galáxias faz o leitor rir constantemente, mas, alerta, se você não é nerd, não gosta de ciência e filosofia, provavelmente vai viajar sério e achar sem graça. OK. Vou explicar. O livro é cheio de referências à ciência e normalmente é enquadrado como ficção científica, porém, é uma FC propositalmente absurda e cômica. Por exemplo, os personagens viajam em uma nave espacial movida por um gerador de improbabilidade infinita. Na boa, estou rindo só de escrever isso... Então, se você não achou que o autor pensar em algo assim é ridiculamente cômico, não leia. Mas espere! Não é só isso! Douglas Adams não para por aí, ele ironiza a burocracia corporativa, as religões e os costumes britânicos. Estes últimos, através do comportamento de Arthur Dent, o qual mesmo depois de passar pelas situações mais absurdas só se preocupa com seu chá. O sarcasmo de Adams não poupa ninguém, nem a humanidade como um todo. Na verdade, principalmente a humanidade como um todo, a qual ele critica ferinamente. Segundo o Guia (que é um livro dentro do livro), a espécie terráquea mais inteligente são os golfinhos... tire suas próprias conclusões. Segue uma citação para deixar claro o estilo único de Douglas Adams e você decidir se gosta ou não:

O Gerador de Improbabilidade Infinita é uma nova e maravilhosa invenção que possibilita atravessar imensas distâncias interestelares num simples zerézimo de segundo, sem toda aquela complicação e chatice de ter que passar pelo hiperespaço.
Foi descoberto por um feliz acaso, e daí desenvolvido e posto em prática como método de propulsão pela equipe de pesquisa do governo galáctico em Damogran.
Em resumo, foi assim a sua descoberta:
O princípio de gerar pequenas quantidades de improbabilidade finita simplesmente ligando os circuitos lógicos de um Cérebro Subméson Bambleweeny 57 a uma impressora de vetor atômico suspensa num produtor de movimentos brownianos intensos (por exemplo, uma boa xícara de chá quente) já era, naturalmente, bem conhecido ― e tais geradores eram freqüentemente usados para quebrar o gelo em festas, fazendo com que todas as moléculas da calcinha da anfitriã se deslocassem 30 centímetros para a direita, de acordo com a Teoria da Indeterminação.
Muitos físicos respeitáveis afirmavam que não admitiam esse tipo de coisa ― em parte porque era uma avacalhação da ciência, mas principalmente porque eles não eram convidados para essas festas.
Outra coisa que não suportavam era não conseguir construir uma máquina capaz de gerar o campo de improbabilidade infinita necessário para propulsionar uma nave através das distâncias estarrecedoras existentes entre as estrelas mais longínquas, e terminaram anunciando, contrafeitos, que era praticamente impossível construir um gerador desses.
Então, um dia, um aluno encarregado de varrer o laboratório depois de uma festa particularmente ruim desenvolveu o seguinte raciocínio:
Se uma tal máquina é praticamente impossível, então logicamente se trata de uma improbabilidade finita. Assim, para criar um gerador desse tipo é só calcular exatamente o quanto ele é improvável, alimentar esta cifra no Gerador de Improbabilidades Finitas, dar-lhe uma xícara de chá pelando... e ligar!
Foi o que fez, e ficou surpreso ao descobrir que havia finalmente conseguido criar o ambicionado Gerador de Improbabilidade Infinita a partir do nada.
Ficou ainda mais surpreso quando, logo após receber o Prêmio da Extrema Engenhosidade concedido pelo Instituto Galáctico, foi linchado por uma multidão exaltada de físicos respeitáveis, que finalmente se deram conta de que a única coisa que eram realmente incapazes de suportar era um estudante metido a besta.
Pois é... Sacou? Outro aspecto interessante sobre O Guia do Mochileiro das Galáxias é que assim como acontece com "2001, Uma Odisseia no Espaço" o mundo pop está repleto de referências a ele. Exemplo, digite no google: a resposta para a vida o universo e tudo mais; e veja o que retorna. Conhece uma música da banda Radiohead chamada Paranoid Android? E a frase: não entre em pânico? Já chegou ao centro da galáxia no jogo Spore? De qualquer forma, como explicado anteriormente, a não ser que você seja um nerd contemporâneo, essas referências passaram despercebidas. Assim como provavelmente passou despercebido, naquele seriado da TV, quando toca Assim Falou Zarathustra e eles imitam macacos, que era uma referência a 2001...

terça-feira, 26 de abril de 2011

O Homem do Castelo Alto - Philip K. Dick

Philip K. Dick é um autor que surpreende, seus livros são completamente diferentes uns dos outros. Porém, existe algo que os une, que é a forma como ele trata a realidade. Uma dica para entender essa relação do autor com a realidade é perceber que em uma lista de livros distópicos (pois é... a distopia mais uma vez), boa parte dos romances de Philip K. Dick estará lá. O que eu entendo disso é que ele gostava de imaginar caminhos e possibilidades diferentes para a nossa vã existência.
Em O Homem do Castelo Alto, o autor continua brincando, criando realidades paralelas que se fundem e se confundem magistralmente de forma quase imperceptível pro leitor. A linha principal do livro mostra o mundo algum tempo depois de os alemães terem ganhado a Segunda Guerra Mundial. A costa leste do EUA é controlada pela Alemanha nazista e a oeste pelo Japão, enquanto a região central é uma área neutra. Nesse cenário, surge um livro que mostra como seria o mundo se os aliados tivessem vencido a guerra, o qual, obviamente, é proibido pelos nazistas. Como é praxe do cara comum, não soltarei spoilers, a ideia é estimular a leitura do livro... leia pra saber como o autor trabalha a fusão a realidade com a irrealidade, como ele ironiza a imaterialidade da História, sobre a qual só podemos especular e acreditar nos documentos que ficaram, e, principalmente, como ele desenvolve os personagens de forma espetacular. Falando neles, tenho que mencionar que são muito bem construídos, com histórias pessoais que vão se entrelaçando durante o desenvolvimento do romance, o que é receita garantida para entreter e envolver o leitor, que fica sem conseguir largar o livro a cada capítulo.
Enfim, O Homem do Castelo Alto é uma obra prima de Philip K. Dick, é um livro surpreendente que quando o leitor termina fica com cara de otário, literalmente, pensando no que aconteceu, refletindo, tentando entender até cair a ficha e sacar todas as dicas que o autor deixou.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Os Filhos de Húrin - J. R. R. Tolkien

Eu costumo falar que Tolkien merecia mais respeito em nosso país. Sua literatura não pode ser considerada infanto-juvenil, como acontece no Brasil, apesar de seu romance "O Hobbit" realmente ser. A riqueza presente nos seus textos é grandiosa, cheia de beleza e poesia, mesmo nos lançamentos póstumos, os quais são compilações feitas por seu filho, Christopher Tolkien.
Algo que pode ser um grande problema em Os Filhos de Húrin é que a estória contada no livro está no Silmarillion de forma resumida. Então, apesar conter muito mais detalhes, o leitor pode estar lendo um romance cujo final ele já conhece. No entanto, para mim, isso não foi problema, pois a beleza do conto aparece, justamente, em sua forma extendida. No apêndice, ao final do romance, Chistopher Tolkien explica como foi feita a compilação, e afirma que o texto é artificial, no sentido de não ter sido completamente escrito da forma como apresentada no livro. Segundo ele, nada foi alterado, porém, alguns alinhavos tiveram que ser feitos para dar consistência à narrativa e corrigir questões geográficas. Tolkien revisava seus textos e os reescrevia constantemente, além de fazê-lo em diversas formas diferentes, como versos e prosa. Esse foi o caso de Os Filhos de Húrin ou Narn i Chîn Húrin, em sindarin. Porém, não se percebe, na narrativa, a mesma fluência encontrada em O Sr. dos Anéis, por exemplo. Isso leva a crer que, aparentemente, não foi escrita para ser um romance. Mas nada disso reduz a sua qualidade.
A crítica profissional, leia-se o Times Literary Suplement e todo mundo que o copia, afirma que esse é "o mais sombrio de todos os trabalhos de Tolkien". Seja lá o que signifique isso. Mas posso dizer que é o romance mais denso, seja lá o que signifique isso também, que eu já li dele, tratando de temas extremamente humanos como a crença na predestinação, a obstinação, o orgulho, o medo, a raiva causada pelas frustrações e pela falta de controle das pessoas sobre seu próprio destino. O romance mostra que Wyrd bi∂ ful aræd, como diria Uhtred de Bebbanburg. E faz tudo isso transbordando poesia, através da fala antiga da terra média, do código de conduta adotado pelos elfos, das ações de homens e elfos e do final Shakespeariano (espero que com essa afirmação eu não esteja contando o final). Enfim, é um conto muito bonito, muito, mesmo, como tudo que Tolkien fez. Sim, pode ser careta dizer isso, mas acredito não ser necessário lembrar que esse conto começou a ser escrito em 1914 e nunca foi terminado. Ou seja, temos que entender o contexto do autor, não podemos esperar que ele tenha escrito como um escritor moderno. Além disso, um pouco de lirismo não faz mal a ninguém.
Bom, não contei do que o livro fala, né? Preciso dizer que conta a história dos filhos de Húrin? Pois é, seus nomes são Túrin e Niënor... E não falarei mais do que isso, portanto, leia! Porque, além de tudo o que eu mencionei anteriormente, este livro é entretenimento de primeira! E, como eu costumo falar, é maravilhoso quando conseguimos unir qualidade literária com entretenimento, quando lemos um livro sentindo prazer na leitura, devorando as páginas, querendo saber o que vai acontecer na sequência. Enfim, viva Tolkien!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

The Fort (O Forte) - Bernard Cornwell

The Fort deverá ser lançado no Brasil no segundo semestre de 2011, com o título "O Forte". No entanto, vamos nos antecipar.
Tenho que fazer uma confissão, sou fã de Cornwell, mesmo que, algumas vezes, seus livros sejam repetitivos e ele siga algumas fórmulas para desenvolver seus personagens. Mesmo assim, o cara sabe o que está fazendo. Sua produção é absurda, chegando, algumas vezes, a lançar dois livros em um mesmo ano, sendo a grande maioria deles romances históricos. O Forte não é diferente, conta a história da batalha da baía de Penobscot, considerada pelos americanos o pior desastre da sua marinha antes de Pearl Harbour.
Na realidade, não há muito o que destrinchar aqui. Este livro é um típico Bernard Cornwell, assim como Azincourt, a série Sharpe etc. Porém, dessa vez, tive a impressão que os personagens são menos ficcionais, e o foco é, de fato, a História. O autor se aprofunda no background dos personagens apenas o suficiente para traçar suas personalidades e motivações, mas isso não os torna rasos, até por serem personagens que realmente existiram. Ao mesmo tempo que Cornwell faz seu relato da batalha, costumeiramente super realista e cheio de detalhes, ele mostra a grande carga de tensão psicológica envolvida em uma guerra, as responsabilidades, cobranças e expectativas de um soldado. Além de traçar de forma muito interessante um comparativo entre o profissionalismo do exército inglês, uma verdadeira máquina de guerra, na época, e o amadorismo do improvisado exército revolucionário americano que protagonizou o ataque. Obviamente, o exército americano, na época da revolução, não era mais amador, mas o autor mostra que nesse caso, devido à questões políticas entre o estado de Massachusetts e a federação, a força utilizada foi improvisada e amadora.
O Forte descreve a chegada dos ingleses à península na época chamada Majabigwaduce, o início da construção do Fort George, o qual dá o título do livro, a chegada dos americanos pelo mar e a batalha que se segue. Como o desastre acontece, você só saberá lendo. Atualmente, o local abriga a cidade de Castine, no estado do Maine, que não existia quando a batalha ocorreu. Vale a pena ir no google maps e usar o street view para se ter a visão que os artilheiros britânicos tinham da chegada dos navios americanos, dá pra chegar até Dyce´s Head, local onde foi postada uma bateria dos casacas vermelhas. Outra coisa interessante é que ele meio que desconstrói um herói americano chamado Paul Revere, mostrando porque ele foi acusado de incompetência e covardia. Além disso, mostra como uma combinação de interesses pessoais contrários, intransigência e falta de experiência pode detonar com qualquer empreendimento.
Em suma, esse não é um livro que vai mudar a vida de ninguém, nem revelar o segredo da vida, do universo e tudo mais. Porém, trata-se de entretenimento de primeiríssima. Eu simplesmente adoro, é uma leitura fácil, porém inteligente e bem construída, que faz o leitor querer sempre mais. Bernard Cornwell descreve as batalhas como se ele houvesse participado delas, o que, na minha opinião (ainda não tinha usado essa expressão, hein?), é sua especialidade, e o sangue só falta escorrer de dentro das páginas do livro. Para embasar o romance, ele faz uma pesquisa detalhadíssima, através de documentos históricos, o que, no caso da revolução americana, não falta, mesmo, já que os estadunidenses mantém um grande registro de sua história militar, principalmente das guerras da revolução, da qual eles muito se orgulham, merecidamente. Enfim, vale a pena.
A seguir, links para alguns vídeos muito interessantes legendados por Michael Hasfel do site, muito bom, por sinal, Bernard Cornwell Brasil.
http://www.youtube.com/watch?v=siwHqfOpIB4
http://www.youtube.com/watch?v=WCR5GTg1aiY

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A Batalha do Apocalipse - Eduardo Spohr

Ganhei esse livro de presente do meu irmão, indicação do vendedor da livraria que disse que estava vendendo muito. Infelizmente, não gostei muito. Trata-se de um livro de ficção fantástica, no qual uma trama complexa se desenrola culminando na batalha do apocalipse. Anjos, arcanjos, demônios e seres humanos se envolvem na teia de acontecimentos que vão se enrolando até o esperado dia do eclipse. (Só pra rimar e citar Raul...) Mas vamos por partes, começando pelo que é bom.
A estrutura narrativa do romance é bem interessante. Enquanto o enredo principal se desenvolve, o autor entrelaça enredos paralelos que tentam explicar a história dos personagens. Porém, na minha opinião, nesse ponto, a coisa começa a complicar. Achei algumas partes muito atropeladas, enquanto outras são mais lentas, criando alguns problemas de ritmo. Ao mesmo tempo, a estória é difícil de comprar, pelo menos para mim. A trama não me convenceu. Adoro ficção e fantasia, mas não consegui achar, sei lá, factível, não por realismo, mas pela estória em si, pela intriga, mesmo. O que quero dizer com isso? Não gosto de soltar spoilers, então fica difícil explicar. Algumas coisas são muito óbvias. A identidade do anjo negro é óbvia, apesar de ser um dos grandes mistérios do livro. A aliança estapafúrdia que se opõe ao protagonista também se torna óbvia com a aproximação do fim do romance. Fiquei com a impressão que a feiticeira Shamira é uma personagem que poderia ser melhor desenvolvida, o autor poderia ter se aprofundado mais em sua história, mostrando melhor, por exemplo, como ela conseguiu viver mais de mil anos. Sei lá, achei que isso acabou ficando um pouco inconsistente, em alguns momentos ela demonstra grande força, em outros, é frágil como uma garotinha. Isso acaba por fazer com que ela não pareça ser uma pessoa que viveu tantos anos, as vezes agindo de forma meio inocente para alguém com tantas experiências. Pensando bem, na realidade, talvez o romance pudesse ser quebrado em mais volumes, assim, ficaria mais interessante, talvez melhor desenvolvido. Mas acredito que, na prática, não deve ser fácil lançar um livro assim. Inclusive, vi que está sendo vendida uma edição com capítulos extras, a qual, infelizmente, não é a que eu li.
Outro aspecto que me desagradou um pouco foi o estilo da escrita. O autor começa o prólogo com "Certo dia,". Pô... tá, besteira, mas isso soa, para mim, quase como "Era um vez...", em outro trecho ele diz "...e num giro chicoteou com a asa o pelotão à esquerda, jogando todo mundo para trás.", custava substituir "todo mundo" por "todos" ? Tudo bem, isso pode ser um problema de edição e, realmente, não é nada demais. Mas me incomoda um pouco. De qualquer forma, só para ficar claro, eu não quero que o cara escreva de forma rebuscada e erudita, cheio de palavras difíceis etc. e tal. Mas, sim, que haja uma preocupação com a estética do texto, isso é importantíssimo para que a leitura seja agradável e não fique parecendo que estamos lendo um livro escrito pelo sobrinho...
Além desses pontos, existe algo que eu achei meio estranho na narrativa. No meio do romance, o protagonista, o anjo Ablon, começa a contar uma lembrança de seu passado, e, assim, o livro que vinha sendo narrado em terceira pessoa, passa a ser em primeira, e, ao fim dessa parte, volta para a terceira pessoa. Muito esquisito e arriscado. Durante todo o livro a linha do tempo vai e volta, criando a base do personagem principal, desenvolvendo sua história. Então, por que, apenas nesse momento específico, a narrativa muda de perspectiva? Para mim, não faz sentido, porém, de repente, deve ser ignorância minha. Mas que ficou estranho, ficou. Outra coisa, em alguns momentos, o autor se vale do velho artifício cinematográfico do vilão, na hora em que tem o mocinho em suas mãos, explicar seu plano maligno. E, sinceramente, isso não é necessário. Não, mesmo. Principalmente em um romance, como já mencionado, narrado majoritariamente em terceira pessoa com um narrador onisciente. Acredito que isso empobrece um pouco a narrativa.
Finalizando, também não gostei do comentário da orelha do livro, o qual classifica Isaac Asimov como "simples science fiction de antigamente". Na boa, ele tá de sacanagem, né? Porque, para mim, isso é uma visão muito curta. Mas, tudo bem, não é culpa do autor. Além disso, o romance é comparado aos livros de Tolkien, outra coisa que não dá. Não, não, não e não. Sacrilégio. Tolkien era um mestre da fantasia, da narrativa e da descrição, seus textos são carregados de beleza lírica e poética. Porém, ele ainda é extremamente sub-valorizado, principalmente no Brasil, mas não dá para comparar. Fazer isso, cria uma expectativa injusta com o primeiro livro do autor. Para mim, isso seria como comparar a primeira peça publicada por alguém com os trabalhos de Shakespeare. Injusto, porque a expectativa acaba quebrada. Mas, apesar de toda essa crítica, "A Batalha do Apocalipse" tem um valor inegável, principalmente por ser um livro pioneiro na literatura brasileira. Acho que ele deve ser comprado e lido, por todos que gostam de livros de fantasia. Não é perda de tempo, até porque, no quesito entretenimento, o livro é bem legal, dá vontade de continuar lendo e saber o que vai acontecer no final. Com certeza, Eduardo Spohr tem um belíssimo futuro, não só pela sua habilidade como escritor, mas, também, pela sua humildade. O cara tenta ouvir todas as críticas, inclusive as feitas no Twitter e em outros meios internéticos, realmente com a intenção de melhorar. Grande atitude, mesmo!

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Fahrenheit 451 - Ray Bradbury

Olha eu aqui de novo falando sobre futuros distópicos... acho que eu devo gostar dessa praga, né?
Fahrenheit 451 foi escrito em 1953, mas parece que foi escrito no ano passado. Esse foi um livro que mexeu comigo, eu lia e pensava, "car%!$* o cara era vidente!". Até citei partes do romance no Twitter! Tá... vou deixar de sacanagem.
A estória se passa num futuro próximo, no qual os livros foram proibidos. Sim, proibidos. Ninguém pode ler. As residências são à prova de fogo e, por isso, os bombeiros, não tendo mais utilidade, passam a ser uma entidade que queima livros. As pessoas são encorajadas a denunciar quem possui livros, o que seria um crime absurdo, e os bombeiros vão até as casas dos criminosos e incineram seus volumes.
Aqui, tenho que mencionar um problema de linguagem. Em inglês, bombeiro é fireman, que em português seria, literalmente, homem do fogo, o que torna o nome mais apropriado à nova função desempenhada por eles. Só de pensar nessa situação, confesso que tive calafrios, tenho muito apego aos meus livros, não gosto nem de emprestar, eles estão entre as coisas que eu mais valorizo nas minhas posses. Meu sonho, de verdade, era ter uma biblioteca. Mas quem se importa?
Voltando ao contexto do romance, além da proibição mencionada anteriormente, as pessoas são encorajadas a possuírem mega aparelhos televisores, que ocupam paredes inteiras, nos quais elas assistem a novelas meio interativas e, surpresa, alienantes. O roteiro é enviado para as casas dos assinantes com as falas, inclusive as falas do telespectador, para que ele desempenhe um papel na novela. Não que seja importante, o programa continua mesmo que a pessoa assistindo não fale. As personagens das novelas são famílias, com as quais as pessoas preenchem o vazio de suas vidas alienadas, como se fossem a sua própria. Quase como as novelas brasileiras, ou os seriados sobre grupos de amigos americanos. Além disso, por diversão, os jovens saem em seus carros em alta velocidade batendo em pessoas que estão andando a pé, e por aí vai.
Nesse contexto, acontece algo comum em romances sobre futuros distópicos, aparece alguém que percebe o absurdo da situação. Normalmente, esse tipo de personagem é despertado por um outro arquétipo, o visionário, geralmente alguém desajustado, que vive à margem da realidade ou da sociedade vigente. E, nesse romance, não é diferente. Viva George Orwell, viva Aldous Huxley, acima de tudo, viva Yevgeny Zamyatin. O bombeiro Guy Montag, protagonista do romance, ao voltar para casa em uma noite qualquer, conhece Clarisse McClellan, uma garota, sua vizinha, a qual, com uma conversa despretensiosa, acaba colocando o bichinho da dúvida na cabeça do bombeiro. Além dela, outro personagem muito interessante e importante no desenrolar dos fatos é o chefe de Guy, o Capitão Beatty, um bombeiro que odeia os livros, mas os conhece bem até demais. Mais uma vez, não estragarei tudo contando o resto. Leia.
Em Fahrenheit 451, Ray Bradbury faz um manifesto a favor da leitura e contra a televisão. A comparação com o mundo atual é inevitável, Bradbury conseguiu enxergar, há meio século atrás, o poder de destruição do intelecto que a TV tem. Felizmente, a opressão institucional que as distopias futurísticas normalmente mostram, não aconteceu, ou não perdurou, pelo menos, não da forma como é retratada. No entanto, ao mesmo tempo, nossa sociedade, através das telenovelas, dos reality shows, seriados etc. e tal, e do total abandono da leitura, trilha o mesmo caminho de alienação e apatia intelectual. Não defendo o intelectualismo e essa baboseira toda... se defendesse, o nome deste blog não seria Literatura com o Cara Comum. Mas defendo o esclarecimento e a capacidade de se ter um pensamento crítico, a não massificação das idéias, o livre acesso à cultura, a livre escolha do entretenimento, entre outras coisas. Conheço pessoas que acharam o romance besta, mas esse não foi o meu caso. Na minha humilde opinião de cara comum, Fahrenheit 451 é entretenimento de primeira, e, melhor, faz o leitor refletir.

Segue uma pequena citação da qual eu gosto muito... uma fala do Capitão Beatty:

"Give the people contests they win by remembering the words to more popular songs or the names of state capitals or how much corn Iowa grew last year.Cram them full of non-combustible data, chock them so damned full of 'facts' they feel stuffed, but absolutely 'brilliant' with information.Then they'll feel they're thinking, they'll get a sense of motion without moving. And they'll be happy, because facts of that sort don't change. Don't give them any slippery stuff like philosophy or sociology to tie things up with. That way lies melancholy"

Pois é! Vamos ler pessoal!

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Ender´s Game - Orson Scott Card

"Ender´s Game", ou "O Jogo do Exterminador" é um romance de ficção científica, escrito por Orson Scott Card. Daaahn... e daí? Isso tem na Wikipedia... Pois é, peguei esse livro emprestado para ler, sem esperar muita coisa, e me surpreendi. Acabei comprando o box da coleção completa.
A ação se passa em um futuro distante, mas não claramente definido pelo autor. As viagens interplanetárias na velocidade da luz são possíveis, e os seres humanos possuem uma tecnologia espacial bastante avançada. No entanto, no momento em que a estória se desenrola, a Terra já fora atacada duas vezes por seres alienígenas, mas, na última, conseguiu repelir os invasores. Desde então, os terráqueos se preparam para o próximo ataque. As crianças são recrutadas desde pequenas e rigorosamente treinadas e selecionadas para integrar o exército, formado por uma coalisão mundial, claramente influenciada pelo período da guerra fria (quando o livro foi escrito).
O treinamento acontece através de jogos computadorizados... grande sacada do autor. E, nesse ponto, é impressionante como ele acertou em cheio. Os treinamentos são altamente críveis, o leitor de hoje em dia, acostumado com os vídeos games atuais, consegue facilmente imaginar os simuladores descritos no romance. Outro aspecto interessante e internético é que Adrew Wiggin, o personagem principal, adota uma alcunha, um nickname, "Ender", e, assim, ele é conhecido, "Ender Wiggin". Na distopia imaginada pelo autor, as famílias seguem um controle de natalidade rigoroso, podendo ter apenas dois filhos. Porém, os Wiggin foram autorizados a ter um terceiro filho, um Third, com o intuito de tentar integrar o exército. Algo que o autor demonstra que seria motivo de discriminação na sociedade, principalmente se esse terceiro, após um período inicial de observação, não fosse aprovado para integrar as frotas interestelares. Porém, Ender é o melhor, ele consegue vencer os jogos, ele é The One. O resto eu não vou contar.
Orson Scott Card aborda temas atuais e muito interessantes no romance, como o bullying, a perda da infância e da adolescência, as relações familiares, a dificuldade em lidar com as responsabilidades impostas por uma conjuntura maior e a manipulação das crianças em benefício dos adultos. Ele faz isso de forma densa, e ao mesmo tempo leve, aproveitando as situações para, também, criar uma estória que causa suspense, e prende do início ao fim. Enfim, Ender´s Game é mais uma prova de que o entretenimento não precisa matar a inteligência.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Voltando

Depois de um bom tempo afastado, sem tempo nem vontade... estou voltando.
Estou com uma lista com trocentos livros para criticar aqui. Irei me organizar melhor e voltar ao trabalho!
O próximo será "Ender´s Game" de Orson Scott Card, ou "O Jogo do Exterminador" na tradução tosca brasileira. Pretendo, em breve, falar, também, sobre "1984", clássico de George Orwell; "Foundation" de Asimov, que eu gosto muito e considero genialmente excepcional; "Fahrenheit 451" de Ray Bradbury; "A Batalha do Apocalipse", do brasileiro Eduardo Spohr, que, apesar desse cara comum não ter gostado muito, tem seu valor; e por aí vai. Levando em consideração a minha compulsão pela leitura, livro é o que não falta pra resenhar...
Estou lendo o segundo de 2011, "Os Filhos de Húrin" de Tolkien, sobre o qual pretendo falar também. Além de, obviamente, "O Silmarillion", que é incrível.
É isso! Me aguardem, pois teremos muito entretenimento de primeira!
Vamos ler pessoal!!